Oceano de som!!

 


Na natureza, a audição é questão de sobrevivência. Elefantes captam sons graves que percorrem o solo por quilômetros; morcegos se guiam na escuridão pela ecolocalização; corujas percebem os mínimos ruídos da presa na relva; golfinhos trocam informações por ondas sonoras que atravessam o oceano. Cada espécie evoluiu para escutar conforme suas necessidades: cooperar, caçar, fugir, anunciar perigo. Há uma lógica de economia: todo som revela posição, e ruído em excesso denuncia fragilidade. E, no entanto, os bem-te-vis seguem firmes — espalhafatosos, estridentes, anunciando sua presença sem pudor. Talvez seja justamente essa ousadia sonora o presente que nos oferecem como exceção à regra: um alarme alegre contra o cinza do mundo. 

O ser humano, contudo, vai além. Para nós, ouvir é vital como para os demais, mas a escuta não serve apenas à sobrevivência: é gesto de polidez, empatia e afeto. Além disso, ouvir com atenção exercita a razão e quase sempre nos traz novas informações. Tanto quanto desejamos ser ouvidos, podemos cultivar a serenidade na escuta.

De todas as habilidades humanas, talvez a que mais tarde floresça em nós seja a capacidade de escutar. É uma excelência rara, feita de receptividade e elegância. O mundo moderno, com seu compasso frenético, nos empurra à fala, à ação, à participação incessante. Antigamente, o tempo corria em outro ritmo — mais lento, mais quieto — e o silêncio não era visto como alimento para o tédio, mas como parte natural da vida.

Uma colega me disse certa vez: quando permanecemos em silêncio, ninguém percebe o quanto ignoramos. É verdade. Principalmente em ambientes competitivos, a fala deve ser ponderada e lastreada em conhecimento e estratégia. Ouvir, por sua vez, é de graça: amplia repertório e ainda nos permite agir com mais propriedade quando chega o momento.

Roda de amigos é rádio mal sintonizado — três estações ao mesmo tempo, cada uma jurando ser a principal. E, quando o assunto esquenta, vira balcão de boteco: quem tem a palavra fala em pé; quem não tem, fala também. No entusiasmo, atropelamos. Uns completam a fala alheia; outros puxam um fio e trocam o assunto; e há quem transforme um comentário em meia hora de solo. 

Precisamos reconhecer que algumas pessoas realmente não aguentam o silêncio. Interrompem, apressam, como quem precisa escoar energia. Quase nunca é maldade: é pouca paciência, percepção limitada da situação, atenção em zigue-zague. Sem treino de escuta, conter-se vira prova de resistência. 

Eu confesso que já fui do time ansioso: cortava, completava. Com treino, passei a esperar mais — ainda tropeço quando o tema me fisga. Paradoxalmente, com pessoas íntimas erramos mais. Quando há um estranho no ninho, o respeito com o novo integrante normalmente cadencia os demais. Já em  grupos maiores, os temperamentos podem se compensar e, da tensão ou do caos, a harmonia misteriosamente se estabelece. Essa observação só não vale para algazarra nas salas de aula na adolescência.  

Escutar não é apenas registrar sons: é também suportar o silêncio. Esse intervalo, que muitos tentam preencher a qualquer custo, dá peso às palavras. No silêncio cabem nuances, hesitações e verdades que não se revelam de imediato. Quem se apressa em responder perde a chance de captar o que o outro realmente quis dizer — e, de quebra, se expõe sem necessidade. Sempre que falamos, trazemos ao mundo informações sobre nós, às vezes mais eloquentes do que o conteúdo da conversa. 

A maioria das tradições não associa a sabedoria à fala, mas à escuta. O afoito fala pelos cotovelos e dá bom dia a cavalo. O sábio fala apenas quando tem algo a dizer. E espera até que a verdade do outro também encontre espaço.

Escutar não é passividade, mas poder contido; é arriscar-se a mudar. Quem sabe ouvir governa o ruído e jamais sai intacto: acolhe ideias, amplia horizontes, revê convicções.



Comentários

  1. Em um mundo que está cada vez gritando mais alto e mais forte, conseguir escutar - inclusive o próprio silêncio - é uma dádiva!

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  2. dizem que falar 'e prata, ouvir 'e ouro

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