Entre mundos !
De acordo com as estimativas mais aceitas da Population Reference Bureau (PRB), cerca de 117 bilhões de pessoas já viveram na Terra desde o surgimento do Homo sapiens, há aproximadamente 200 mil anos. No entanto, os oito bilhões que vivem atualmente fazem parte de uma geração única: nasceram em um mundo e morrerão em outro, radicalmente transformado.
Para muitos, especialmente os nascidos entre meados e o final do século XX, essa realidade não é apenas uma constatação, mas o cerne de sua experiência de vida. São testemunhas de mudanças tão rápidas e profundas que a experiência humana se tornou algo sem precedentes. Nunca o ritmo das transformações foi tão acelerado, nem seus impactos tão amplamente globais. Viver neste intervalo histórico trouxe pressões imensas, mas também oportunidades até então inimagináveis.
A história da
humanidade, por milhares de anos, foi marcada por mudanças lentas, quase
imperceptíveis no intervalo de uma única vida. Imagine alguém nascido em 500
a.C. e compare sua existência com a de alguém em 500 d.C. Apesar de algumas
transformações históricas e culturais – o surgimento de impérios, novas
religiões ou inovações na agricultura –, a maioria das pessoas vivia
essencialmente da mesma maneira. O mundo era movido pela força dos braços e de
máquinas rudimentares. A luz vinha do sol ou do fogo, os deslocamentos
dependiam de animais ou canoas, e o conhecimento necessário para sobreviver era
transmitido de geração a geração pela experiência direta, pela fala ou por
histórias que misturavam mitos e ensinamentos. Eram adaptações graduais, quase
no mesmo ritmo do próprio caminhar humano.
Agora pense
em alguém que nasceu em 1920 e viveu até 1980. Ou em quem nasceu em 1980 e está
vivo hoje. Essas pessoas não apenas testemunharam mudanças; elas foram
consumidas por elas. Viram o surgimento da aviação, da computação, da energia
nuclear, da internet, das redes sociais e da inteligência artificial. O mundo
que conheceram na infância tornou-se irreconhecível na velhice.
Essas
gerações carregam uma experiência única. Elas foram as primeiras a cruzar o
ponto de inflexão da curva exponencial – aquele momento em que a velocidade da
mudança tornou-se tão vertiginosa que o ritmo da própria vida já não é
suficiente para absorvê-la. Elas nasceram em um mundo analógico e morrerão em
um mundo digital. São as últimas testemunhas de um passado mais simples e as
primeiras habitantes de um futuro inimaginável.
A explosão
tecnológica do século XX não só acelerou a história, mas alterou completamente a maneira como vivemos e o destino humano. Para alguém nascido em 1900, o voo era um sonho distante,
algo associado a metáforas mitológicas como Ícaro. Mas, em 1969, o mesmo homem
que antes só conhecia cavalos e trens viu outro homem caminhar na Lua. A
invenção do avião não apenas encolheu distâncias, mas literalmente encolheu o
mundo, tornando possível cruzar oceanos em poucas horas.
Depois veio a computação, um dos maiores marcos da transformação moderna. Na década de cinquenta, computadores eram enormes máquinas que ocupavam salas inteiras e realizavam cálculos mais lentamente do que uma simples calculadora de bolso de hoje. Consigo lembrar dos primeiros computadores chegando à escola em meados de oitenta e do momento em que a grade curricular foi alterada para introduzir "informática", ensinando a linguagem básica sobreposta a um universo oscilante entre zeros e uns. Alguns anos depois, computadores pessoais começaram a invadir as casas, na sequência veio a internet e, hoje, a inteligência artificial e a computação quântica já apontam para avanços ainda mais radicais. Vivemos na era do smartphone, mas estamos à beira de algo ainda mais transformador. Dizem que em menos de cinco anos existirá uma AI superior ao homem, e que em um ano mais, ela será mais inteligente e capaz que toda a humanidade conjunta e coordenada. Nós nunca tivemos que lidar até hoje com algo superior em raciocínio e criamos algo que irá nos superar em breve, transformando nossos trabalhos, relações e até nossa organização pessoal. Governos terão acesso a simulações precisas com os dados que possuem e macro decisões serão tomadas à partir delas.
A maioria das pessoas ou não dá muito importância, ou não compreende o que está por vir. Populações inteiras terão que migrar de trabalho, aprender novas habilidades. Governos que não investirem em treinar e educar seu povo, testemunharão o colapso de seus países. Para experts, quem dominar os chips de AI, terá grande controle. O governo brasileiro poderia muito bem zerar impostos para atrair essas grandes empresas para o país. Taiwan hoje fabrica quase a totalidade disso e pelos perigos envolvidos existe uma demanda para diversificar locais de produção a baixo custo. Paralelamente, a educação deve acompanhar, para vermos brasileiros ocupando esse tipo de posição no futuro. Depois da segunda guerra aconteceu um avanço grande pelas tecnologias desenvolvidas nesse período sombrio e o mundo se organizou baseado nisso. Depois veio a globalização e agora devido a onda de nacionalismo, pandemia e guerras, está iniciando a "desglobalização". O Brasil precisa agir com energia e foco agora. porque o ritmo e o tipo das mudanças será bem mais radical.
A corrida espacial foi um símbolo do poder da transformação exponencial.
Começou como uma disputa entre duas superpotências – União Soviética e Estados
Unidos – e deu origem a feitos extraordinários: o lançamento de satélites, o
pouso na Lua e, mais recentemente, planos concretos de colonizar Marte. Em
poucas décadas, saímos de um planeta onde o espaço era inacessível para um em
que viagens espaciais comerciais já começam a ser exploradas.
Se a
tecnologia revolucionou a forma como nos movimentamos e exploramos, a revolução
na comunicação mudou como nos relacionamos. A chegada do rádio permitiu que
vozes fossem ouvidas a milhares de quilômetros de distância. Depois, a
televisão transformou a forma como as histórias eram contadas e assistidas. Mas
foi a internet que criou o maior salto: conectou bilhões de pessoas em uma
única rede global sacramentando a era da informação. Hoje, a comunicação é instantânea, e cada pessoa carrega
consigo o equivalente a uma biblioteca universal no bolso. A revolução digital
não apenas conectou o mundo, mas também transformou nossa forma de pensar,
trabalhar e socializar.
Ao mesmo tempo, algo essencial se perdeu nesse processo. As gerações anteriores cresceram aprendendo como as coisas funcionavam, compreendendo os processos por trás das ferramentas que usavam. Sabiam fazer fogo para sobreviver, consertar suas ferramentas ou mesmo entender o funcionamento de uma máquina de datilografar. Já as gerações atuais nasceram em um mundo de interfaces intuitivas, que escondem a complexidade por trás de um toque na tela. Uma criança de cinco anos hoje consegue manusear um smartphone com naturalidade, mas talvez jamais compreenda os processos que o fazem funcionar. Quanto mais avançada a tecnologia, menos entendemos como ela funciona – e mais dependentes nos tornamos dela. Sagan alertava sobre esse perigo, o de ter empresas e poucos homens detentores do conhecimento, enquanto a grande massa é passiva e recebe o que é disposta a cada tempo. Até pagando para ser manipulado algumas vezes.
Essa explosão
tecnológica também trouxe um peso psicológico imenso. Somos uma espécie
biologicamente adaptada a um ritmo de transformação muito mais lento. Por
centenas de milhares de anos, nossa evolução foi moldada por alterações
graduais no ambiente natural e por migrações que nos expuseram a climas e
ecossistemas diferentes. Essa lentidão permitiu ao cérebro humano desenvolver
sua plasticidade, criar ferramentas, inventar linguagens e adaptar tradições às
necessidades de sobrevivência. Agora, não é mais o ambiente
que molda o ser humano; somos nós que transformamos o ambiente em uma velocidade que
nossa biologia tem dificuldades para acompanhar.
O cérebro
humano, embora extraordinário, não foi projetado para lidar com a quantidade de
informação, estímulos e decisões que o mundo moderno exige. Vivemos
sobrecarregados, não apenas pela necessidade de processar dados, mas também
pelo impacto emocional de viver em tempos de mudança constante. A explosão de
informação criou um paradoxo inquietante: apesar de termos acesso a um oceano
de conhecimento, estamos mais desorientados do que nunca.
Fake news, desinformação planejada e a manipulação algorítmica criaram um novo campo de batalha. Não lutamos mais apenas por recursos físicos; lutamos pela atenção e pela percepção. A capacidade de discernir o verdadeiro do falso, que antes dependia de uma conexão íntima com o ambiente e com a cultura local, tornou-se uma tarefa quase impossível em um mundo saturado de narrativas conflitantes com tecnologia boa o suficiente para fazer a maquiagem.
Diante desse
cenário, surge a pergunta inevitável: o que será da humanidade no futuro?
Talvez sejamos apenas uma espécie de transição. Já se fala em humanos
aumentados – cyborgs que integram tecnologia ao corpo para expandir suas
capacidades físicas e cognitivas. Ou quem sabe as próximas gerações sejam
moldadas geneticamente para processar mais informações, sobreviver a ambientes
extremos ou até mesmo migrar para outros planetas.
De qualquer
forma, é possível que os humanos de hoje sejam lembrados como os últimos
inteiramente biológicos e os primeiros a contemplar o surgimento de algo além
de si mesmos. Somos a ponte entre a humanidade analógica e a pós-humanidade.
Talvez o maior legado dessas gerações seja sua resiliência e capacidade de adaptação. Testemunharam o impossível, viram o mundo acelerar e, em meio a tanta transformação, aprenderam a se equilibrar entre o fascínio pelo progresso e o peso dos desafios que ele trouxe. São, literalmente, as gerações que viveram entre mundos. O ponto em que a humanidade deixou para trás séculos de transformações graduais e embarcou em mudanças exponenciais – algo que nunca mais acontecerá novamente, pois o passado já é conhecido, e a transição foi realizada. Acredito que no futuro, existirá um grande interesse sobre essa época. Devido a isso, talvez seja uma boa ideia deixarmos nossas impressões, sentimentos e experiências registrados para a posteridade.
Que o futuro, então, aprenda com essas gerações que progresso não é apenas avançar, mas também refletir e equilibrar. Afinal, em meio ao caos, o que nos mantém humanos não é a tecnologia, mas a capacidade de permanecermos conscientes do que nos faz ser quem somos e nossas relações.
Eu fico tranquilo. Pois tenho certeza que os vários políticos do mundo já leram Huxley e Asimov e conhecem profundamente as leis da robótica
ResponderExcluirCom certeza! rs
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