Grandes Encontros!

 


               O homem é, antes de tudo, um animal social. Sem relações, sem conexões, pode muito pouco. Um ou outro espírito mais introspectivo talvez alcance algum êxito, mas perde o melhor da vida: compartilhar experiências, multiplicar saberes, crescer na convivência.

                Nosso primeiro encontro é com a pessoa que nos envolve ainda na gestação. Mamíferos aprendem desde a primeira amamentação que não são independentes e que, na relação com o outro, podem encontrar calor, alimento, proteção e amor. Com o tempo, no entanto, descobriremos que os laços que sustentam também podem ferir, e que das relações brotam não apenas confiança, mas suspeitas e atritos que nos acompanham pela vida. 

                   No início da jornada, nossas relações são estabelecidas com familiares e amigos próximos, fortalecendo pouco a pouco nossa rede básica de conexões. Na infância, surgem os amigos de escola, lembranças que os mais afortunados carregam por toda a vida — em muitos casos, amizades que permanecem. 


        Na adolescência, vivemos os primeiros encantos amorosos. Dois desconhecidos se olham e algo mágico além deles decide que dali nascerá uma história. A paquera, a atração, as primeiras conversas, os primeiros beijos. A intensidade dessas emoções é tão grande que contribui para nossa formação. O namoro que tive nessa época abastece até hoje meu coração de alegria e, além dela como amiga, me trouxe uma família inteira de pessoas que adoro.

                   Os encontros amorosos, em especial, parecem carregar um magnetismo único. Os amores da juventude quase sempre chegam com intensidade desmedida e cheios de ilusões. Mais tarde, percebemos que mesmo os amores que não duraram nos deixaram marcas profundas — foram eles que nos ensinaram a perder, a esperar, a compreender o outro e a nós mesmos. Há ainda os encontros maduros, quando já não buscamos fogos de artifício, mas uma chama que aqueça de forma constante. Cada fase guarda sua forma de amar, e todas têm valor, porque deixam em nós não apenas lembranças, mas um traço do que somos.

              Como escreveu Confúcio ao comentar o hexagrama 13, linha 5 do I Ching: quando duas pessoas se unem de verdade ‘podem romper até mesmo a resistência do ferro e do bronze. E quando se compreendem plenamente no íntimo de seus corações, suas palavras tornam-se doces e fortes como a fragrância das orquídeas.

           O acaso pode nos levar a paixões avassaladoras ou a casamentos duradouros. Nunca se sabe — e tudo está na semente do primeiro encontro. Mas, podemos pensar também nos desencontros. No impedimento da aproximação de almas complementares que quase se esbarraram. Tudo faz parte da imprevisibilidade da vida.

              Grandes amizades também nascem de formas inesperadas. Um dos meus melhores amigos, por exemplo, não respondeu à primeira pergunta que lhe fiz — sobre um arremesso de basquete — e, ainda assim, daquele silêncio brotou uma amizade de décadas. Outras vezes, o vínculo se fortalece depois de um conflito: há quem brigue feio e descubra, na reconciliação, a solidez de um futuro compartilhado. Os melhores encontros são aqueles em que a atração e os acontecimentos apenas confirmam a intuição, e tudo já começa com o pé direito e prossegue bem. Mas, não faltam os que surgem em fases difíceis da vida e se tornam pilares de apoio. Até nos lugares mais improváveis — uma fila, uma viagem, uma sala de espera — pode nascer uma cumplicidade duradoura, às vezes desencadeada por uma simples conversa.

                 Na vida corrida, às vezes temos a chance de parar. Uma caminhada reflexiva, a escrita de um texto, a vista do mar ou de uma montanha — tudo pode nos conduzir a um encontro interior. Nesses instantes, tornamo-nos observadores de nós mesmos e ganhamos serenidade para navegar melhor pela vida. Muitas vezes, é desse silêncio que nasce a abertura para que os encontros externos floresçam. Então percebemos que não estamos sós, mas em comunhão com o todo.

                E o que falar dos encontros com o mistério? Aqueles instantes em que nos sentimos atravessados por algo maior do que nós mesmos. Pode ser na fé de uma oração, no deslumbramento diante do céu estrelado, na música que parece suspender o tempo ou no gesto de compaixão que nos faz acreditar no sentido da vida. Nesses momentos, o humano toca o transcendente e descobre que, para além das certezas, existe um espaço de reverência e assombro.

                O encontro com limites — doença, perda, fracasso — paradoxalmente abre novas possibilidades. Quantas histórias conhecemos de superação diante do que parecia intransponível. Tenho um amigo, Castro Neto, que registrou sua vitória sobre a morte e risco de incapacidade em um livro — Se você precisar, vou lutar por você! — no qual, com rara coragem de se expor, mostra como confiar na mente e perseverar pode ajudar a vencer até os acontecimentos mais duros.

               Por falar em livros, esses proporcionam o mais improvável dos encontros: duas existências que jamais se viram caminham lado a lado pela mesma frase. Um homem de séculos atrás abre para mim suas angústias; uma mulher que nunca conheci confidencia segredos que têm tudo a ver com nosso tempo e experiências. Entre o virar de uma página e outra, dissolvem-se fronteiras de tempo e carne. O autor já não respira, mas sua voz pulsa como se ainda pudéssemos sentir o calor do hálito. É um diálogo que nenhum relógio mede, porque não acontece em um instante, mas em muitos ao mesmo tempo — encontro que desafia a morte e só se cala se, um dia, o último leitor fechar os olhos.

            Quando olharmos para trás, não recordaremos números, mas sim vozes, olhares, mãos estendidas no instante preciso. São esses recortes que dão corpo à narrativa humana. Sem eles, a vida seria apenas uma sucessão de formalidades; com eles, cada página se ilumina de rosto, de sentido e de calor.

                Amigos, amores, autores que nos falam pelas páginas: todos eles formam as pontes que nos ligam ao que há de mais humano em nós. Cada encontro é uma travessia — às vezes breve, às vezes definitiva. E, ao atravessá-la, descobrimos que o outro não é estrangeiro, mas a parte de nós que ainda não conhecíamos.

Comentários

  1. "... O outro não é estrangeiro, mas a parte de nós que ainda não conhecíamos." Belíssimo texto!

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  2. Obrigado ! Pela leitura e comentáriio! E, sim, o outro é o outro, mas também uma extensâo de cada um!

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