Sessão pipoca (parte 1)


Na década de noventa debatíamos cenários cinematográficos que pareciam vir de universos distantes. Algumas previsões soavam absurdas; outras rondavam nosso horizonte sem deixar pistas de quando, afinal, se tornariam realidade.

Na virada para 2000, o susto não veio de alienígenas, mas de linhas de código: o bug do milênio prometia derrubar sistemas inteiros. A prudência dos programadores se transformou em paranoia global ― até que as precauções valeram e tudo seguiu como antes. Esse episódio pode ser pensado como o embrião do medo tecnológico que eclodiria décadas mais tarde.

Kubrick idealizou uma missão tripulada a Júpiter em 2001; em 2025, ainda não voltamos à Lua, nem pisamos em Marte. Carros voadores? Naquele instante, eram pura ficção; hoje, protótipos cruzam nossos céus.

Antes de 2010, a Inteligência Artificial parecia distante; mas, nas últimas décadas, ela se revelou surpreendente, instigando um debate urgente sobre como vamos gerenciar ferramentas tão poderosas. Computadores quânticos, antes negados, depois restritos a laboratórios, agora processam luz para calcular. Máquinas já não são apenas “programas” em LLMs (grandes modelos de linguagem): habitam chips, linhas de produção e veículos autônomos. O amanhã — que antes nos parecia sem limites — agora bate à porta.

Acompanhei de perto o impacto da IA em xadrez e poker. Quando o documentário sobre AlphaGo estreou, marcou época. E, no dia em que AlphaZero — o programa de aprendizagem profunda da Google — superou Stockfish ( a melhor máquina em cálculo bruto), a comunidade enxadrística ficou em choque. Jerry, do canal Chessnetwork, lembrou em tom jornalístico que merecia ser antecedido pela vinheta de plantão da Globo, que quinhentos anos de teoria humana foram suplantados em quatro horas por um algoritmo que aprendeu sozinho, conhecendo apenas as regras do xadrez.

No começo, a comunidade enxadrística viveu à sombra do medo: “A máquina vai decifrar cada tática e roubar toda a graça do jogo.” Surgiram teorias de trapaça online — softwares ocultos em “plugs” secretos, até um ex-campeão do mundo ficou marcado por acusar os outros de trapaça, por exagerar na paranoia. No entanto, a realidade se revelou mais rica. Não que as fraudes não existissem, mas elas eram superdimensionadas. E, a medida que as IAs avançavam no entendimento do jogo, outras detectavam melhor possíveis infratores automaticamente.

Hoje, o xadrez vive um renascimento graças à tecnologia. Em qualquer site, você encontra adversários exatamente no seu nível e, ao fim da partida, recebe gráficos que escaneiam cada lance, acompanhados de sugestões de IA em tempo real. Torneios de “partidas imortais” agora incluem duelos entre humanos e máquinas — “AlphaZero pawn” ganhando espaço onde parecia prematuro e “sugestões da engine” ou eval são termos corriqueiros nos comentários. Para quem apresenta uma partida é mais rico pesquisar antes as linhas sugeridas pelo computador em momentos chaves e comparar isso com o pensamento dos jogadores nas linhas adotadas. Isso torna mais claro o porquê dos lances para todos. Já possuímos confiança na avaliação dos programas. As AIs têm aprimorado o jogo, o tornado ainda mais cheio de possibilidades onde a generalização humana criava pontos cegos. 

O resultado? O xadrez nunca foi tão popular, nem tão acessível. Não se limita mais a uma elite que estuda abertamente a teoria e preserva seus segredos para competir; tornou-se um espetáculo interativo, com aprendizado instantâneo e público ampliado.

Antes temida como rival imbatível, a máquina tornou-se, na verdade, a grande democratizadora, libertando-nos de padrões mentais rígidos e abrindo um leque de possibilidades antes negligenciadas — ou até temidas. Hoje, todo enxadrista compreende que cada posição clama por um exame minucioso, cruzando interferências de tempo e espaço dentro dos limites do tabuleiro. E não há muito o que temer: As combinações são tantas que o jogo jamais se reduzirá a um simples “jogo da velha”. Todos podem se divertir com um adversário ao vivo, online ou até mesmo, com um companheiro robótico. Crianças podem aprender mais rapidamente e idosos podem encontrar companhia e quem sabe desviar do Alzheimer. 

É verdade que não superamos a precisão de um programa especializado, mas, nesta última década, crescemos ao lado delas. Profissionais hoje alcançam 99 % de acerto em seus lances em diversas partidas que ficam cada vez mais complexas e compreensíveis ao mesmo tempo, enquanto na comunidade global, amadores evoluem em condições de igualdade. Toda a comunidade deu um salto conjunto. Ainda assim, o homem tem mais prazer vendo partidas entre humanos e isso é natural pela comparação de habilidades individuais a qual estamos acostumados. Mas ninguém deixa de estudar com as máquinas. 

No poker, a GTO (teoria do jogo ótimo) virou estudo de campo: jogadores passaram a decifrar cada posição, calcular probabilidades no pré-flop, flop, turn e river, podendo escolher a pimenta que colocam no tempero ao se distanciarem da linha de equilíbrio, alternando entre táticas mais conservadoras ou agressivas, dependendo da situação e tipo de torneio. Mas o que era realizado intuitivamente para os mais capazes e sensíveis hoje abri oportunidade para o estudo dos esforçados. Resultado: poker virou profissão de muitos.

Cito xadrez e poker porque amo esses universos. Acompanhei as AIs desde bebezinhas apenas nesses cenários específicos e hoje as vejo adolescentes podendo me ultrapassar em altura e força em cenários mais abrangentes, como nos grandes modelos de linguagem. Ver a transformação de camarote me forneceu boa intuição sobre como as IAs e agentes autônomos — de carros a robôs enfermeiros — podem remodelar nossa sociedade. Em menos de dez anos, 90 % da frota veicular poderá ser dirigida por programas; o formato das guerras já mudou, reduzindo baixas, mas ampliando o risco de falhas catastróficas em sistemas letalmente precisos; todo o setor industrial e comercial está sendo otimizado e as AIs estão pouco a pouco se tornando Agentes pessoais. Mas é evidente o cuidado necessário ao lidar com uma entidade que pode nos manipular por superar nossa cognição. 

Assim, convido você a mergulhar numa exploração lúdica, resgatando filmes e livros que imaginaram futuros possíveis. Juntos, identificaremos o que pode ocorrer, o que deve ser evitado e o que será mais difícil de acontecer. Só assim nos alinhamos melhor com o presente — e com o futuro que desponta.

Porque toda grande jornada começa com um sonho: primeiro esboçamos ideais, traçamos circuitos e perfilamos o casco. Só depois ergueremos a máquina e a lançaremos ao mundo. Da Vinci já sonhava mecanismos submersos antes de Verne, que no choque entre imaginação e realidade, escreveu coisas que inspiraram ainda mais submarinos de aço.

Hoje, a velocidade é tamanha que o executor sonha com a gente, e cochicha direções sobre nossos desejos e recursos.

Em um debate com o ChatGPT, pedi que ele gerasse um gráfico com as décadas no eixo X e dez filmes ficcionais históricos no eixo Y, atribuindo a cada década uma porcentagem de probabilidade de a ideia central de cada obra se tornar realidade. O resultado foi este:

Na parte dois, voltaremos ao gráfico, e focaremos nas páginas e nas telas para termos uma ideia melhor de como cada década “votou” — não com cédulas, mas com avanços e retrocessos reais — no futuro que agora nos assiste. Nos perigos que podemos enfrentar e nas oportunidades que não podemos deixar passar nesse momento chave para o cenário que cada indivíduo e a humanidade escolherá. 


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