Undo
Se a vida
tivesse um botão de "Desfazer"
Outro dia me
peguei olhando a tela do computador e pensei: como seria se a vida tivesse um
botão Undo? Sabe, aquele ícone salvador do Word que desfaz qualquer
cagada – digo, deslize – com um simples clique? A ideia me transportou direto
para as aulas de datilografia da adolescência. Era um terror: cada letra era
uma decisão irrevogável. Tecla errada? Adeus, página perfeita. O papel parecia
julgar meus erros com um rigor que nem minha mãe no boletim escolar. Rasurar,
então, era pecado mortal.
Mas na vida
real, não há volta. Não há edições. Cada erro fica ali, como um rabisco
imortalizado no papel que desempenhamos na vida. O universo, por algum motivo,
acha justo que a gente sofra por distrações que duram um segundo – mas cujas
consequências duram para sempre. Pior ainda, os erros cotidianos têm uma
tendência irritante de acontecerem nos momentos mais inusitados e serem permanentes.
Um Undo ali no calor do instante resolveria tanta coisa…
Na vida real talvez o botão flutuasse no ar, com aquela setinha virada para o lado invertido, parecendo
algo saído de um videogame. E o tamanho? Ah, isso dependeria da gravidade da
besteira: um pequeno erro – como mandar "kkk" no grupo errado – e ele
seria discreto, piscando de leve no canto da visão, quase como um conselho
sussurrado: "Tem certeza? Dá tempo de voltar." Já para os
desastres épicos – tipo mandar um Pix para a pessoa errada ou dar uma resposta
atravessada pro chefe –, ele surgiria enorme, ocupando metade da sala, como um
aviso urgente do universo: "Clica logo antes que seja tarde!"
Seria impossível ignorar.
Pensem:
No
trânsito. Você está cantando sua música favorita e, sem querer, erra o
caminho. Resultado: meia hora perdido no labirinto da cidade. Undo, e
pronto, você volta para aquela rua certa como se nada tivesse acontecido.
Na paquera.
Você ensaia uma resposta espirituosa, mas, quando abre a boca, solta uma piada
sem graça que te faz parecer um alienígena tentando aprender português. Clique
no Undo e a frase perfeita volta como mágica.
Se o Undo pudesse ir além das pequenas gafes e reparar aquelas grandes distrações e desastres da vida isso seria uma grande benção. Aqueles momentos em que a gente tem a melhor das intenções, mas o universo resolve implicar com você? Um Undo que voltasse cinco segundos antes de você mandar aquele e-mail furioso para alguém. Ou dois minutos antes de confiar cegamente na ideia genial de pilotar uma moto sem saber direito.
Mas aí vem o pensamento incômodo: e se o universo estivesse mesmo preso em um ciclo infinito, como no tal do eterno retorno? Nietzsche dizia que a vida poderia ser uma repetição sem fim dos mesmos momentos – os bons, os ruins e os absolutamente vergonhosos. Já pensou? Sem Undo, seria o mesmo tropeço, a mesma piada ruim, o mesmo olhar julgador de sempre, voltando em loop, como um disco riscado. O botão de desfazer seria quase um ato de rebeldia, uma pitada de compaixão da evolução com o ser que define a sua humanidade no ato de errar. Desumanas são as consequências dos erros. Mas o universo tem uma seta irreversível de aumento da entropia e essa expansão de possibilidades também condiciona o tempo à uma direção apenas.
Eu não estou
falando de apagar todo o passado. Afinal, os erros têm lá seu charme (ou pelo
menos, é o que diz o pessoal da autoajuda). Mas convenhamos, alguns erros são
tão estúpidos e suas consequências tão desproporcionais que parece que a vida
vem com um bug no sistema. O Undo cotidiano poderia ter inclusive um bloqueio
para os atos verdadeiramente intencionais, mas nos salvaria dos acidentes
bobos, das distrações, das afoitezas. O mundo seria sem dúvida mais legal com o
pessoal de TDAH. O Undo seria um herói silencioso para quem troca o nome das
pessoas ou esquece onde deixou o celular… enquanto segura o celular.
Em alguns
casos o botão Undo poderia até salvar vidas. Aquela self no penhasco,
aquele carinho no tigre do zoológico, a panela de pressão velha. Ele também nos
pouparia dos pequenos infernos: aquela chave que você esqueceu do lado de
dentro da casa ou do carro, por exemplo. O Undo seria o intermediário que faria
o mundo seguir de acordo com a nossa intenção original, e não a partir de um
descuido infeliz.
Será que existiriam
limites? Talvez ele funcionasse como
vidas extras em videogame. “Você tem direito a cinco Undos por mês,
use-os com sabedoria!” Aí ia virar até moeda de troca: “Te dou um Undo
se você me deixar furar a fila.” Ou então, Undos
acumulados: “Não usei meu Undo em 2024, será que dá para trocar por um
feriado extra?”
O lado bom é
que, com Undo ou sem Undo, ainda continuamos tentando. A vida é
esse grande texto, sem botão de desfazer, mas cheio de rascunhos, revisões e,
às vezes, umas partes que a gente só gostaria de deletar para sempre. Enquanto
o Undo não existe, a gente segue usando o Ctrl+S: salvando o que
tem de bom e seguindo em frente, mesmo que a página tenha algumas rasuras.
Porque talvez seja isso que torne a história interessante: a coragem de viver
mesmo sabendo que não dá para voltar.
Os desastrados do mundo agradecem a ideia Undo. Sou 100% a favor. Undo Now.
ResponderExcluir