O segundo sol

                                     

            "Under the cities lies a heart made of ground,

                    but the humans will give no love."

(Trecho da música: Horse with no Name, da banda America)

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 Muitos reconhecem facilmente a importância do sol para a vida em nosso planeta, mas poucos refletem a respeito do “segundo sol” que habita o interior da Terra e é essencial para a manutenção da temperatura que possibilita a vida na superfície. “Estrela” oculta, cujo núcleo interno gera o campo magnético que nos protege da radiação nociva e orienta aves e navegadores; alimenta a dinâmica das placas tectônicas, transformando e reorganizando a crosta terrestre ao longo do tempo, esculpindo montanhas e continentes. Os vulcões submersos, expelindo parte do magma interior e aquecendo regiões oceânicas, foram uma das fontes primárias de condições propícias para o surgimento dos primeiros micro-organismos, gerando a base da vida como conhecemos.

Meditando em meio à natureza, é possível nos sentirmos imersos num templo de engenho e arquitetura universal. A contemplação silenciosa pode despertar uma conexão com a energia primordial, reconhecendo a inteligência subjacente que permeia o universo evolutivo, essa força fundamental que rege o cosmos e inspira a ideia de um caminho natural, harmonioso e equilibrado de viver. Nosso Astro Rei é um símbolo dessa força e em contato direto com ela nos sentimos energizados, iluminados, aquecidos. Mas sem o “irmão oculto”, o interior da Terra, cuja força invisível molda a superfície e influencia toda a dinâmica na superfície de maneiras sutis e profundas, a vida encontraria um caminho bem mais hostil para se desenvolver. Quando reconhecemos o privilégio de viver entre forças tão poderosas sentimos a vontade de nos conectarmos com tudo o que a natureza pode produzir no limite. São variações onde a beleza adaptativa e as pequenas modificações ao longo do tempo nos permitem desfrutar de um ambiente riquíssimo em diversidade e interações, que causam aprendizado e maravilhamento.

Vivemos sobre uma fina camada na crosta terrestre, equilibrados entre forças imensas que moldam a vida. A canção O Segundo Sol, composta por Nando Reis e interpretada por Cássia Eller, relembra a fragilidade desse equilíbrio ao imaginar um segundo sol chegando e “realinhando os planetas” ao seu redor. Essa imagem nos convida a refletir sobre como nossa existência depende de uma combinação rara e delicada de fatores. Nesse contexto, nosso planeta pode ser visto como um oásis improvável, abrigando a vida em meio a forças colossais.

Como se a Terra e o Sol dançassem em uma coreografia invisível, novas pesquisas indicam que essa relação vai além do que imaginávamos. Cientistas descobriram que variações na atividade solar podem influenciar a atividade sísmica, aquecendo a superfície terrestre de maneira sutil, mas suficiente para afetar a estabilidade da crosta. O calor do Sol, ao se infiltrar no solo, fragiliza as falhas geológicas, possivelmente antecipando ou intensificando terremotos. Essa descoberta ressalta que não apenas a radiação solar guia os ciclos de vida em nossa biosfera, mas também interage com os mecanismos subterrâneos que esculpem nosso planeta ao longo dos milênios. Se o “segundo sol” da canção pode ser uma metáfora para mudanças drásticas e imprevisíveis, o “irmão oculto” que reside no interior da Terra compartilha uma conexão real e profunda com nosso astro-rei, moldando, silenciosamente, a dinâmica que sustenta nossa existência.

Essa interdependência entre forças cósmicas e terrestres nos lembra que o equilíbrio que sustenta a vida não é estático, mas sim um processo dinâmico e delicado. Diante desse cenário grandioso, para nos conectarmos em meditação, não há necessidade de rituais rigorosamente elaborados, dogmas ou fórmulas fixas. Basta a presença – um encontro entre o ser e o todo além do tempo.

Esses momentos de comunhão e silêncio, imersos na natureza – seja em uma caminhada ou na simples contemplação em descanso – permitem, além do vazio, a reorganização dos pensamentos, a gratidão pelos momentos felizes, a lembrança dos amigos e, por que não, um pedido de inspiração ao princípio organizador universal: a inteligência que guia e sustenta o ciclo da vida. Não se trata apenas de uma troca de pedidos e agradecimentos com um Deus de características humanas, mas um espaço para celebrar o que foi conquistado e refletir sobre as intenções futuras, enquanto nos permitimos maravilhar com os mistérios da existência ao nosso redor. É como ajustar o fluxo de uma mangueira  pressionando a extremidade com os dedos para concentrar a energia na direção e distância que se deseja alcançar, sem aumentar o fluxo, apenas limitando a saída e redirecionando o foco.  

Spinoza tem um texto famoso no qual ele, falando como se fosse Deus, aponta a natureza como o verdadeiro templo divino (Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nas praias. Aí é onde eu vivo e expresso o meu amor por ti); e incentiva nossa participação (O que eu quero que faças é que saias pelo mundo, desfrutes de tua vida. Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que eu fiz para ti.)

Compreender a própria pequenez diante do cosmos e, ao mesmo tempo, perceber-se como parte integrante e importante dele, para alterar o que estiver ao alcance; com nossos sentidos, emoções e a racionalidade permitindo apreciar e participar ativamente, pode despertar gratidão e reverência, mesmo em meio aos absurdos e contradições impostos na vida humana, tanto por nossas limitações físicas, mortalidade, azares e a própria busca por sentido.

No encontro íntimo e tranquilo entre o ser e o todo, livre de distrações, uma poderosa fonte de inspiração é acessada. No silêncio, talvez se revele a verdadeira linguagem divina. Tranquilidade e clareza emergem, trazendo consigo naturalmente os insights que buscamos em tantos outros momentos, mas que, caprichosos, apenas nos encontram sob certas condições. A paz e o entusiasmo que nos envolve nesses momentos é, sem dúvida, uma das grandes dádivas que um ser humano pode alcançar.

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