Concurso dos números

                       

                            Um professor de matemática conhecido por sua criatividade decidiu quebrar a rotina na sala de aula: ele não emxergava a matemática apenas como uma ferramenta lógica, mas como uma fonte de inspiração, capaz de despertar tanto o raciocínio quanto o entusiasmo. Assim, propôs um concurso inusitado aos seus alunos. A intenção era incentiva-los a apreciarem cada vez mais a beleza da disciplina, mas se transformou num acontecimento memorável na história daquela turma. A tarefa proposta, apesar de simples, fornecia o ingrediente básico para aguçar a imaginação: cada aluno deveria escolher o número que considerava mais interessante e em poucas linhas, que seriam lidas para os colegas, explicar o porquê de sua admiração.

         Uma boa recompensa aguçou a dedicação dos estudantes: dez pontos adicionais na nota final para o vencedor, cinco para o segundo lugar e três para o terceiro. Ciente de que a situação acadêmica de seus pupilos pendia mais para a comédia do que para o drama, ele imaginou que essa proposta atrairia atenção.

        O desafio começou, e os alunos, empolgados, escolheram seus números prediletos e mergulharam na busca por argumentos e histórias que fizessem jus à importância dos escolhidos. E, acredite, não decepcionaram!

                 No dia da apresentação eles enumeravam os atributos mais significativos dos números escolhidos. Ninguém deixava por menos. Cada estudante parecia um advogado defendendo apaixonadamente seu melhor cliente imaginário. Quem passava pela sala podia ouvir argumentos de todos os tipos:

                  - O sete, senhores, não é apenas um número, mas para a humanidade trata-se de um número místico e folclórico, ou nunca ouviram falar dos sete pecados capitais, dos sete anões com a Branca de Neve, ou de quem já navegou os sete mares.

                  - Multipliquemos o número do colega por seis e encontramos 42, o número que todo nerd sabe ser a resposta para o sentido da vida, do universo e tudo mais. Douglas Adams não me deixa mentir.

                 Nesse momento, um aluno vestido todo de preto com maquiagens assustadoras se dirigiu para a frente da sala, abriu seu casaco e de um lado estava o número um, e de outro o número 3. 

                    - Treze meus amigos, treze, ou já viram algum outro número colocar medo nos homens? Até os hotéis pulam o décimo terceiro andar para evitar que clientes tenham medo do azar. Tolice, mas mostra a força do numeral escolhido. O dia do Halloween é 31 de outubro, 13 espelhado, pura coincidência não?

                  - O 𝜋(pi), colegas, estabelece a relação fundamental da geometria, a razão entre o perímetro de qualquer círculo e o seu diâmetro. Por onde quer que olhemos no céu encontramos estrelas, planetas e luas esféricas, ou discos de galáxias espirais dos quais jamais saberíamos as dimensões se não entendêssemos a natureza de 𝜋. Trata-se de um número transcendental que nos permite alcançar o infinito através de suas finitas relações.

                        Excelente ponto, interpôs outro aluno, mas foi a raiz de dois que primeiro desafiou nossa compreensão, representando números que não podem ser expressos por frações. Enquanto o π conecta o diâmetro ao perímetro de círculos, a raiz de dois nos revela mistérios nos quadrados... 

                 Grandes coisas, rebatia outro: a raiz de 3 percorre uma diagonal muito mais importante, a do cubo e, por sua vez, não deixa de expressar uma razão fundamental. Agora pergunto, nós vivemos em duas ou três dimensões?

                  Amigos, não se exaltem, vocês escolheram bons candidatos, mas o meu não tem concorrente. Ele expressa a linguagem natural do crescimento. Sua verdadeira compreensão induziu o desenvolvimento do cálculo, um dos ramos mais importantes da matemática com benefícios para todas as ciências.  Através do (e) simplesmente vislumbramos a essência do tempo.   

                  Lógico que não faltaram os defensores do número de ouro e de como sua proporção magnífica, extraída da famosa sequência de Fibonnacci, espalha-se por toda a natureza.

                  (i), a imaginária raiz quadrada de menos um, foi defendida pelo melhor aluno da sala. Ele explicou como 𝑖 é fundamental na engenharia e na física, transformando equações impossíveis em soluções elegantes. Mas, apesar da argumentação meticulosa, não escapou da zombaria dos colegas que diziam, sem parar, ser tudo fruto da imaginação.

              O zero foi escolhido por muitos, paradoxalmente diminuindo seu impacto na competição. A ideia de que ele contém todos os outros números não foi suficiente para superar a sua onipresença, resultando em uma curiosa neutralidade.   

            No geral, a maioria dos alunos se interessou pelos mais exóticos, mas os ordinários também foram lembrados. As defesas do 1 e do 2 foram brilhantes. Desde aspectos matemáticos aos espirituais como o "todos somos um", ou os casamentos que a natureza normalmente realiza aos pares vieram à tona, mas nada se comparou ao discurso em defesa do três:

              " 1 e 2 realmente dão o pontapé inicial na autoconstrução matemática, um é a metade do outro e ambos são parte integrante de mim, a soma de ambos. Mas, a verdadeira unidade quem carrega sou eu, o 3. Os casamentos que produzo geram mais equilíbrio, interesse primordial da natureza em todas as escalas. Na formação básica da matéria, por exemplo, descobrimos (prótons, elétrons e nêutrons); e se aprofundamos ainda mais no mundo material, a genial concepção do Quark, na qual o "três em um" jamais esteve tão belo, comprova que continuamos a encontrar a associação em trios. Se em um tripé sou usado pelos homens para fornecer maior estabilidade, na divisão dos poderes numa sociedade em (legislativo, executivo e judiciário) também produzo equilibro.

                 O que seria de tese e antítese, sem síntese. 

              Quando nos entediamos do homem e da matéria e penetramos na esfera metafísica, tanto no oriente, quanto no ocidente nos deparamos com subdivisões ternárias para alcançar o divino. Os conceitos da Trindade católica no mundo ocidental apresentam simbolicamente os três tamanhos básicos da natureza e suas essências; onde o pai, representa o todo (o grande); o filho, a parte (o pequeno); e o espírito santo, (o médium). Já no oriente, sábios chineses da antiguidade desenvolveram o I Ching baseando-se na aproximação de dois trigramas, que, por conterem cada um 3 linhas, permitem combinar de maneira mais precisa e com riqueza de temperos as principais essências humanas e da natureza para cada arranjo energético. A introdução do terceiro elemento impede a aniquilação da polarização, e exige um casamento para se equilibrar. Movimenta o universo, interna e externamente.  

              Considerem o triângulo, continuou o estudante. Esta forma geométrica, baseada no número 3, é sem dúvida a estrutura mais vital em toda a matemática. De Pitágoras a Einstein, usamos triangulações para calcular distâncias onde quer que desejemos. Se vale para o espaço vale também para o tempo. No xadrez, quando é necessário reverte-lo ao seu favor, a peça pode tranquilamente triangular.

              Nos aspectos humanos o 3 também está por toda parte. Infância, vida adulta e velhice marcam as 3 etapas da nossa existência. Se em alguma delas nossa mente adoece, o lítio, terceiro elemento da tabela periódica é um composto fundamental na maioria dos remédios para restabelecer o equilíbrio psíquico. Sim, o lítio, 3 prótons, 3, nêutrons, 3 elétrons, o mesmo que dá vida às baterias de nossos aparelhos na modernidade. Na literatura, nossas grandes histórias são frequentemente contadas em trilogias. Dante Alighieri, em "A Divina Comédia", divide o metafísico em três - Inferno, Purgatório e Paraíso. Cada parte, com 33 capítulos, descrevendo seus nove (3x3) círculos.

              Até a criançada já sabe quem é o mais importante entre os números. Quando precisam decidir quem começará a brincadeira, já substituíram o antigo par ou impar com apenas duas opções, pelo bem mais emocionante, (pedra, papel ou tesoura) com três.

              Nosso professor também tem essa consciência, do contrário não premiaria apenas as três melhores apresentações.    

Obrigado

              Assim que terminou, os colegas em algazarra aplaudiram aos gritos de já ganhou...já ganhou! Mas uma voz esperta de repente se fez ressoar:

                             "Terceiro, terceiro, terceiro!"

O professor, admirado com a criatividade e o talento de seus alunos, teve dificuldade em escolher os vencedores. Afinal, cada número apresentado havia sido defendido com tamanha maestria e humor que parecia impossível decidir qual era o mais interessante e cativante de todos.

Mas, no final das contas, o professor anunciou os vencedores: o número três ficou em primeiro lugar, seguido pelo 42 e, surpreendentemente, pelo azarado 13. A sala de aula explodiu em aplausos e risadas, e todos celebraram o sucesso do Grande Desafio Numérico.

Comentários

  1. Maravilha de crônica. Adorei a dança dos números. As seleção baseada em vários ícones da humanidade. Eu gosto do número 5. Que vem me acompanhando e dando sorte, na minha caminhada dentro dos números da minha vida.

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